segunda-feira, 30 de agosto de 2010

ABUNDÂNCIA ÍNFIMA/ MISÉRIA FARTA

Entre palácios, joias, luxúrias e vaidades, o rei Abastado governava um povoado a oeste de uma ilha. Um povo rico, esperto, ganancioso e perspicaz era seu súdito. Naquele lugar, a terra era roxa e suava frio. Já do outro lado da ilha, a leste, havia um reinadinho humilde e atrofiado, comandado pela rainha Escassez. Povo pobre, ingênuo, porém sóbrio. Lá a terra era deserta, mas aquecida pelos corações.

O rei Abastado, exausto pela monotonia de seus dias, iniciou um plano de domínio sobre a ilha por inteiro. Para isso, bastava conquistar o povoado do leste, o que, para ele, dificuldades não haveria: derrubar os fracos e pobres é como empurrar alguém à beira de um abismo. Era o que pensava.

Mal o dia apareceu, o rei enviou um emissário para avisar a rainha sobre a total dominação que programava, partindo, a seguir, exageradamente para o combate. Desacreditada, porém resoluta, Escassez recebeu o ataque, mas não revidou. Estranhamente, Abastado não conseguiu dominar o povoado vizinho. Furioso, ordenou que seu exército invadisse novamente o local. Mais uma vez, não teve sucesso.

O rei e seus súditos tentaram descobrir o porquê de não conseguirem dominar um povo tão fraco e frágil, ainda mais que não havia qualquer contra-ataque. O leste recebia ofensas calado, era
inundado por armas. Mas não revidava. E sem revanche não há luta, sem luta não há guerra, sem guerra não há dominação.

Rainha Escassez era serena, mas tinha estratégia. Era miserável, mas tinha riqueza de conceitos. Ela sabia que ignorar a maldade e não se vingar é como brasa na cabeça dos malfeitores. Foi o que aconteceu. A cabeça do povoado oeste queimava sem entender tamanha benignidade da rainha. Comentavam uns com os outros a audácia e sabedoria dela, apesar de ser limitada em sua pobreza.

Ao final, todos concordaram que a rainha Escassez deveria governar toda a ilha. Valorizaram sua forma eloquente de tratar dos valores humanos, sem precisar de joias, luxúrias, palácios ou quaisquer dessas futilidades.

Escassez sabia que nunca nada lhe havia faltado. Já Abastado, deposto pelos próprios súditos, reconheceu a supremacia da abundância de caráter. Nunca a riqueza lhe foi tão miserável.


Raquel Murad


Texto publicado no livro "Elas Escrevem", Editora Andross- edição 2010.

domingo, 1 de agosto de 2010

SENTIDOS

Afaga-se a emoção
quando, finalmente, entre pedras afins
o medo se dissipa
a flor renasce
o dia transpõe o que fora deixado
Suspende-se a rima
A Luz surpreendeu até a poesia
Suspiros, sentidos"brand new"
Escuridão outrora à flor da pele
Agora raios luminosos à pele da flor
Depressões, vales
Montanhas, cordilheiras
Movimenta-se ao tom da aspiração
Segue, luta para aliviar a emoção
Abster-se, comover-se
Aprender, ensinar
E assim levar os sentidos
Ao mais alto lugar
Mesmo que em declínio, às vezes, sucumbir
Mas sempre constante, firme
Rochedo
Até a areia não mais ser movediça
E a terra dos pés sacudir
Chegando ao inabalável modo de ser
Amor
Vida
com Deus!